Dois dias como nenhum outro (ou fazemos história ou viramos história)

Segunda 27 de Junho de 2011.

E chegou a isso. O impasse absoluto. A partir da manhã de terça, em poucas horas, nossa humilde barraca na praça Syntagma será a linha de frente da luta do povo contra o poder, contra o plexo sedento de sangue do capital e do Estado que come nossas vidas.

Cabeças falantes nos aparelhos de TV não parecem estar escutando nem à própria voz mais. Como atores/atrizes sem talento num palco sem script, elxs resmungam o que elxs acham ser a propaganda apropriada. Mas em suas expressões, em seus estranhos sinais de mãos, você pode notar que a certeza do passado se foi. Se evaporou. O crescendo está apenas algumas notas daqui; elxs sabem e esperam por aqui sem esperanças, aparentemente, para a chegada do inevitável.

Atrás de seus grossos muros de segurança, ternos falantes jorram nossos gritos para uma imaginada unidade nacional – e ainda, gosmentas criaturas que são, parecem não conseguir nem mesmo concordar em uma mentira comum; desesperadxs para se agarrar à suas vidas desprezíveis elxs desejam jogar outros ternos pra fora da janela de um veículo que está se aproximando da beira do abismo a cada minuto.

Lá fora, nas ruas, o sentimento é quase assustadoramente inebriante. Os dias quando o povo tentava esconder suas vergonhas pelas condições são passado distante. Em Syntagma, dia após dia, assembléia após assembléia, alguém vai invariavelmente tomar o microfone, mãos tremendo, e gazes inundados com ânsia de vingança. X professorx dizendo histórias de seus/uas pupilxs pedindo comida e perdendo o foco nas aulas por malnutrição. A coleção sem fim de desempregadxs, sufocando com palavras de raiva; a menina que prometeu lutar por seus amigxs que já migraram. O grupo de amigxs que migraram elxs mesmxs, mas voltaram a Syntagma para uma última luta.

Todxs que vieram se vingar pelas vidas que elxs querem roubar de nós. Por nossos irmãos e irmãs apodrecendo em celas do regime democrático. Por nossos irmãos e irmãs imigrantes, insultadxs, perseguidxs, esfaqueadxs nas esquinas escuras da cidade. Pela impotência dx professorx ao ver seus/uas pupilxs famintxs, por qualquer umx impotente ao ver ou ouvir um cataclisma de histórias como estas. Pelo silêncio digno dx velhx, placa pendurada em seu pescoço, escrito sobre a segunda Ocupação [N.FG: referência à ocupação fascista que a Grécia sofreu durante a 2º Guerra Mundial] na qual vive agora. Por todas essas pessoas, com todas essas pessoas, tomaremos a rua, mais uma vez.

(…)

É sábado a noite em Exarcheia [N.FG: tradicional bairro anarquista de Atenas], e encontro umx amigx que não via a tempos. Brincamos sobre os planos artísticos que costumávamos fazer anos atrás, sobre o que aconteceria conosco em tempos mais calmos, onde estaríamos agora. Repentinamente ele para. “Não sei se venceremos ou perderemos na terça”, ele diz em tom baixo. “Mas o que quer que aconteça, não quero que elxs passem por tudo isso sem sangue ser derramado. Espero que seja uma guerra.”

Publicado originalmente em From The Greek Streets.

Traduzido por FogoGrego.

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