Desde a famosa tomada da Praça Tahrir no Egito pela população nas revoltas deste ano, que culminaram na derrubada do ditador Mubarak, esta tática de pressão popular e democracia direta tem se feito presente em outras revoltas no mundo árabe. Acampado, o povo passa dias e noites nas praças, monta tendas, constrói imensos refeitórios comunitários, protesta, celebra, faz música e se organiza em assembléias políticas (de onde saem textos para chamados, manifestos, propostas e as diretrizes de luta).
Na Espanha, a tática também foi adotada recentemente, nas jornadas de protesto contra a crise econômica do Estado. O povo espanhol tomou várias praças pelo país (em mais de 50 cidades), e o imenso acampamento de Porta do Sol, em Madrid (que acabou se tornando a “sede informal” desse movimento, chamado 15-M) lançou um chamado internacional conclamando os povos oprimidos do mundo a adotarem a mesma tática em seus países.
Tanto a Espanha quanto a Grécia fazem parte do famigerado grupo dos P.I.G.S. (pejorativa sigla que reúne Portugal, Itália, Grécia e Espanha, Spain em inglês), grupo este que seria o oposto dos B.R.I.C.s (Brasil, Rússia, India e China) os chamados países emergentes que mais se destacam hoje em dia devido ao rápido crescimento de suas economias. Logicamente então os P.I.G.S. seriam os de pior performance econômica, a “vergonha” da União Européia. Essa crise que une Espanha e Grécia (os de pior desempenho dentro do grupo) talvez justifique o porque do povo grego ter sido o primeiro a atender o chamado de Porta do Sol.
Na terça-feira passada, dia 23, milhares de atenienses se convergiram na Praça Syntagma. Organizadxs através de redes sociais na internet e atendendo ao chamado espanhol, sob a alcunha de “indignadxs”. Isso foi apenas o ensaio geral para o que se daria a seguir.
O FogoGrego traduz em primeira mão as últimas da Grécia, ocorridas hoje:
“Que horas são? Hora de todxs* irem embora!”
*em referência axs políticxs
Dezenas de milhares tomam as ruas gregas contra a crise
Quinta, 26 de Maio, 2011
01.00 GMT+2: Praça Syntagma, Atenas. Milhares parecem se preparar para passar a noite na praça com barracas e camas de armar. Uma assembléia popular terminou a pouco; pessoas formam grupos, discutem, se aproximam do parlamento em turnos gritando slogans. Definitivamente haverão muitxs delxs aqui pela manhã.
11.50 GMT+2: Em uma série de manifestações e concentrações jamais vista na recente turbulenta história Grega, dezenas de milhares tomam as ruas exigindo que “todos xs políticxs se vão”, em um chamado similar ao que sacudiu a Espanha poucos dias atrás. Em Atenas, aproximadamente 20.000 tomam a Praça Syntagma; em Tessalônica, aproximadamente 5.000 convergem em frente da torre branca da cidade. Muitxs milhares se juntam em Patras, Volos, Chania, Ioannina e Larisa, e outras cidades.
Algumas considerações de um anarquista que esteve na Praça Syntagma noite passada.
Quinta, 26 de Maio, 2011.
04.36 GMT+2.
Acabo de voltar de Syntagma devido a um infeliz incidente pessoal (eu havia planejado passar a noite toda lá) e tenho o seguinte a reportar:
1) As pessoas que vieram hoje estavam literalmente em centenas de milhares. Não caia nas estimativas que geralmente subestima seus números. Às 8 da noite a Praça Syntagma e todas as ruas próximas estavam lotadas, o que significa aproximadamente 100.000 pessoas. Calculando o fluxo de pessoas das 6pm e dado que as pessoas constantemente vinham e iam, estamos falando literalmente de centenas de milhares – uma participação que excede todas as espectativas.
2) Xs nacionalistas enfrentaram uma grande derrota. Estamos falando de uma multidão enorme e nela havia TRÊS bandeiras gregas no total, um número que é menor até do que aqueles em greves gerais. Então, os boatos de que essa era uma armadilha nacionalista se mostraram infundados. Pelo contrário!
3) Sim, a multidão era mista, inexperiente e heterogênea – mas não são assim xs atenienses? O fato de que pessoas com filosofias tão diferentes umas das outras coexistirem é pra mim uma grande vitória. Talvez pra metade dessas pessoas essa era sua primeira ou segunda manifestação. Mais uma vez, parabéns a elas por tomaram as ruas, ainda que carregando seus preconceitos e vieses.
4) As pessoas FINALMENTE foram insistentes e não vão embora. Até quando eu fui embora ainda tinham algumas pessoas, e isso já era 3am!
5) A assembléia aberta de Syntagma operou excepcionalmente bem, colocando questões radicais à mesa. Greve por tempo indeterminado, ocupação da Praça de Syntagma por tempo indeterminado, claras referências antifascistas. Serviços básicos de limpeza improvisada também funcionou bem, alinhado com o modelo da Praça Tahrir! Estava claro que a semente plantade em 23 de Fevereiro tinha fertilizado e a ocupação de Syntagma tinha virado uma realidade.
6) Como anarquista lastimei por compas meus/minhas que esnobaram, subestimaram ou difamaram a improvisação da mobilização sem líderes de hoje. Ao invés de se juntar a essas pessoas e politicamente fermentar com elas, escolheram a esnobe e fácil discriminação das massas “burras e reacionárias”. Uma grande pena, mas o espaço para correção imediata ainda existe para aqueles que podem e querem…
7) Finalmente, tudo começou! As pessoas tomaram as ruas e não irão embora. Syntagma mostrou que pode se tornar um epicentro de protesto social com características radicais e principal conflito social, bem como muitxs de nós sonhou em 23 de Fevereiro. Temos muito ainda a encarar e imensos obstáculos a saltar, mas hoje foi um dia Histórico que ninguém esperava e do qual todxs foram prazerosamente pegxs de surpresa. O poder social da internet foi finalmente confirmado aqui também.
Concluindo: vá a Syntagma hoje também levando as experiências do grande dia de ontem!
Hoje mais de nós e mais determinadxs à praça!
Tudo começou mais uma vez, e nada mais será o mesmo!